quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Eu sou... Clive B. Capítulo Sétimo: Solidão é Minha Amiga, Álcool é Minha Vitamina

Como diria Franz Ferdinand "Este fogo está fora de controle", foi o que pensei. Nem nos meus piores pesadelos me permitiria sentir tal apego. Mas como negar? Ela havia me dado um lar, uma nova chance, coisa que pessoa alguma que me conhecia faria. Só mesmo um abraço estranho não parece culpado e cheio de ganância. Pelo menos nos seus primeiros encontros. Quando as almas colidem, e se estranham e entranham, toda a gama de feromôneos que nós, animais selvagens, carregamos, explodem e implodem numa velocidade e voracidade grotesca. Logo uma análise é feita, como prevenção. Um raio X. Mas mais do que isso, repelimos as frutas podres pra manter o jardim a salvo. E dessa vez, como nas outras, eu me senti a pior das espécies.



Eu não consigo diferenciar coisas boas e ruins. Acho que sou inocente demais pra perceber as ofensas. Ou cruel demais, porque desfiro golpes impiedosos. Sou hostil de natureza, um sobrevivente, como já disse. Mas algo latejou no meu peito, quando abraçado em mim, ele disse que não me abandonaria (mesmo após os acontecidos). Eu gelei. Congelei. E até degelaria se fosse um iceberg fraco. Como pode? Por que ele ainda me abraçaria? O jogo não tava certo. Nessa rodada ele devia surtar, chorar, gritar. Perder as estribeiras e me expulsar. Ou simplesmente abrir a porta. Conheço o caminho da sarjeta. Mas eu fechava os olhos, e as luzes e as músicas explodiam uma sinfonia prateada que parecia formar uma estrada. Eu a renego - pensei.



Fiquei por horas sentado na rua. Na praça. Vendo as pessoas com suas vidas planejadas e estabelecidas sobre planos religiosos, políticos e morais. Cada um do seu jeito, achando que tão fazendo a coisa certa. Mas no final, perdem seus valores mais básicos. Atirando-se à fome superficial do ócio e da futilidade ( Por que todos cheiram a sem-vergonhice ). E não há alma neste mundo que me surpreenda. Mas gosto de entrar nos seus jogos mais íntimos e fingir que estou perdendo. É durante a vitória que as pessoas mostram suas caras. Dê poder a um pobre coitado, e ele ordenará que Deus deve lavar suas botas.



Mas ela havia me resgatado, viu-me no meu instinto mais subhumano. Uma raiva descomunal me dominava. Engoli lágrimas e sequei o suor gelado da testa. Pensava em quantos gritos havia bradado naquele silêncio todo.
Será que isso significa algo? - Pensava. Cada sorriso dela me fazia mais crédulo, e eu perdia as forças. Queria morrer naqueles lábios. E como desejo tal morte...
Ele dizia que sou poeta. Andarilho incorrigível, pois estagnar em lugar , seja uma ponte límpida, ou nos braços de amante qualquer tiraria minha excência. Minha inspiração seria a dor e o abandono. Porque da alegria se tira o óbvio, a mentira. Só mesmo da sofreguidão e do fundo da mágoa e abandono é que se extrai a verdade. A fúria. A vingança.



Doía. É o que minha memória guardou. Um momento em que desejei arrancar parte por parte daquela angústia. Acho que ela sabe demais - conclui.
Mas dor maior é o que desconhecia. O desapego. A libertação. Mas sou interrogado pela vida há anos, hei de suportar nova tarefa. E se não vivo, não sinto.



Na manhã seguinte, ela abraçou o travesseiro, resgatando meu aroma de álcool e juventude. Enquanto lia o bilhete que lhe escrevera. E com essa despedida, teve de sentir-se beijada. Meus lábios, para ela, haviam morrido.

Agora estava longe. Longe dela. Longe dele. E mais próximo de mim.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Eu sou... Clive B. Capítulo Sexto: Eu Encanto, Seduzo e Estrago Tudo

Sentia-me agora como um rato que passara sua vida entre os esgotos, achando que fazia grande coisa, e de repente encontra uma casa aconchegante e sutilmente se convida pra entrar e ficar. Ainda que camuflado, agindo sob as penumbras. Mas um novo lar é um novo mundo a ser descoberto. Mesmo que sob circunstâncias questionáveis, agora eu era o rato, que não queria mansões ou palcos com holofotes. Tava em busca de uma cabana bem vagabunda. Um quiosque. Um sobrado. Queria só ir entrando, me avizinhando, sem ser notado. Queria ser o rato durante o dia, e à noite o artista.



Foi nessa andança então que a conheci. O vento fazia meu cabelo cobrir os olhos (engraçado como sempre venta pro lado oposto ao do meu cabelo). Eu mal tinha engolido toda aquela fase que se sucedera (acho que nunca engolirei), e já tinha parado num boteco pra ver se a tequila me ajudava a degustá-la. Em vão.


Escorei-me na fronte de uma ponte, não das mais novas ou das mais belas. Não era como um outono de filme hollywoodiano. Mas pontes servem para interligar dois lados de quaisquer coisas. E eu me encontrava bem no meio.Tinha um lago escuro que parecia morto. Estacionado abaixo dela. Eu tentava me reconhecer pelo reflexo.



E lá estava ela. Parecia entender meu olhar, quando os dois colidiram, e quando me abraçava, tocava-me de verdade, como nunca antes sentira. Não tinha dó. Era a bonança que eu precisava pra iluminar toda essa tempestade que eu sou.

Ele deu-me um novo lar e mostrou-me cores e sabores inéditos. Acrescentou aromas únicos aos próximos dias. Algo nas minhas palavras tortas o surpreendia. E quando ele sorria algo em mim doía. Deus, como eu queria aquela dor sempre...



Era a oportunidade que eu precisava (embora não merecesse). Diferente das outras vezes, não queria estragar tudo. Às vezes até sentia algo real. Algo vivo. Mesmo sóbrio, distinto, limpo. Ela me fazia dormir, e acordar com vontade de vê-la. Se eu fosse um dançarino, sapatearia por ela, e ressoaria canções para aquecê-la. Agora, quando fechava os olhos, aquele turbilhão de vozes que me recepcionara na cama, após os acontecidos, havia adormecido.


Mas naquele dia, eu havia reencontrado as armas do passado. E ao chegar em casa e ver-me encolhido ao lado da cama, como ladrão que tenta esconder o furto, ele perdeu o eixo. Achou absurdo, incompreensível. Diferente do que vocês julgarão, eu não atento contra a vida. Acho que eu desafio algo maior. Algo que ainda busco. Algo além desses dias programados. Mas eu era barco sem rota mesmo. Toda a embarcação de raiva, frustração, indiferença e medo que eu carregava era como um trem desgovernado. Cada batida era um novo teste. "Sadomasoquista?", questionaram certa vez. Mas sexo e dor são só um vestígio da vida (ou do fim de semana).


Ao vê-lo entrar no quarto, a lâmina escorreu entre os meus dedos e caiu, ecoando uma catedral de culpa por todo lado. Desviei o olhar. Ele ajoelhou-se e tentou extrair dos meus olhos bronzeados alguma resposta. Acho que o seu castelo desmoronou neste momento. Beijou-me. Tentou abraçar, como um baú que guarda todo o passado numa ilha. Algumas lágrimas petrificaram, mas outras deixei brotar. Não queria ser tão cruel. Tão mal agradecido. Mas um rato é só um rato. Espreitando. Noite e dia. Em mansões e em bueiros. E eu... Vocês sabem, sou só o que o medo impede que sejamos. Sou Clive B.


Ela sussurrou "Eu te amo".
Eu disse "Obrigado".
Ele disse "Por que você faz isso?"
E eu disse "Talvez porque eu seja um suicida bem educado".

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Eu sou... Clive B. Capítulo Quinto: Sou Meu Próprio Anti-Herói

Agora, mais do que das outras vezes eu só tinha meu ego trincado e minhas expectativas banhadas com meu orgulho (mesmo ele sendo socado e atingido por uma porção de facadas). E não seria mais uma limitação física que me impediria. Engraçado como eu sou mesmo uma contradição. Nunca gosto de músicas na primeira vez que as escuto, mas depois que torno-me dependente, o mundo todo parece vazio antes dela. E vazio sou.


Às vezes se convencer de mentiras é o suficiente. Porque é preciso convencer-se de ser bonito, ou inteligente para sair na rua sem medo de ser ridicularizado ou visto como um burro qualquer. E até mesmo poetas são alienados, porque a atmosfera deles é alta demais pra que um viciado como eu a alcance. E toda vez que abro os olhos, as nuvens cobrem meu céu, e as estrelas tiram folga.

O fato é: Estava acordado, naquela cama, dados devidos acontecimentos, e nada passava na minha mente. Não me achava estúpido nem arrependido. Detesto mensagens motivacionais. Cada um deve lidar com seus próprios problemas. E eu tava acuado demais pra me mostrar indefeso. Ergui-me então.


Rastejei, sussurrei. Eis minha especialidade. Escorar paredes, observar levantes. Apenas um parasita em si mesmo. Uma imagem meramente ilustrativa do que é a desordem. Do que é a vida, sem palco e sem maquiagem. Tão banal que pedia pra que alguém me esmagasse naquele momento. Mas piedade é uma adaga duplamente feroz. Ela te corta por sua carência mas te corta mais ainda pela sua abundância.


De alguma maneira fui embora. Enquanto todos discutiam porquês e hipóteses parti sem minha mala de mão. Como bagagem apenas um extravio de ideias. Sou digno de pena? Sou louco? Sou cheio de codinomes, sou cheio de setas luminosas. Sou cheio de mim mesmo.


São esses lances da vida que eu questiono. Ambiguidades tão insanas que me excitam. Como uma dor que me faz sorrir, ou uma sede devastadora de culpa. Auto-piedade. Dó que eu renego das pessoas. Mas que aceito de bom grato da minha consciência.

Eu sou desgraçado de humor. Não faço piadas, tampouco construo edifícios. Me contento em ficar no meu quarto, consertando coisas, ou simplesmente ajudando a destruí-las.
Não sou protagonista na minha história. O mundo que é. E basta observar (além de só olhar).


Mas agora eu tava livre desse mundo de mansões e arranha-céus. Eu podia ser um monge se raspasse o cabelo, um punk se aderisse ao anarquismo, um homossexual se beijasse-me mais no espelho, um ladrão se roubasse algo além de tempo, um heterossexual se fechasse as portas pro mundo não me alcançar, ou simplesmente um cachorro, e continuar latindo, e continuar coçando.

Eu precisava de um lar. Eu precisava de um subúrbio.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Eu sou... Clive B. Capítulo Quarto: Embriagado Para o Início

Se eu fosse um cronista talvez confundisse as pessoas com mais facilidade. É que as ações e futuras reações que são como pedras jogadas numa lagoa, não tem data marcada. Não são previsíveis. Então na véspera do dia 12, lá estava prestes a desenhar uma nova faixa atemporal.


Eu corri. Escondi-me. Pensei ter fugido. Na verdade quando a adrenalina borbulhou até o meu córtex cerebral eu já tinha tomado todas ... As atitudes precipitadas e descabidas que eu poderia imaginar. Foi um estardalhaço. Uma zona de guerra.
Eu disse, no início, que era um soldado refugiado de uma guerra. Mentira. Nunca travei batalha alguma. Sou um desordeiro quase apaziguador. É tão deprimente ser um trovão guardado no bolso, que eu preferia explodir agora. E talvez tudo fizesse algum novo sentido.


Eu queria ter crescido construindo sonhos e cultivando novas imagens inesperadas -- Bem, talvez criando essa mentira um dia talvez eu me convença.


Eu havia perdido. Fui derrotado pela falta de força. Fraqueza é pouco! Sou tão incerto quanto um vagalume bêbado e sem luz. Meus prismas sempre foram invertidos, e quando dei conta, subi os 12 andares tão rápido, que cheguei ao topo caçando oxigênio nas luzes de lá de cima. Joguei-me ao chão e engatinhei, até o parapeito. Eis a ponte dourada que eu sonharia. Traguei mais oxigênio e raiva. Era como um combustível. De olhos fechados as lembranças eclodiam. De olhos abertos, as luzes me hipnotizavam e convidavam para uma dança aromática. Lá de cima me sentia forte, seguro. Mas logo o líquido vermelho que nos une por laços humanos escorria através do meu pulso direito. Banhei-me de glórias, enfim.


Eu disse "eu perdi tudo". Mas que tudo? Jamais havia tido metade de qualquer coisa. Não cultivei uma porção de coisa alguma. Não chorei por dores, não sorri por amores. Era um cão que apenas ladrava, correndo atrás dos carros. Mas se um carro, um dia parasse, eu não saberia o que fazer.
Agora já com o tal fluido rubro banhando e tingindo minha coerência, arriscaria pensar em arrependimento. Mas arrepender de que? Eu pedi para que ele agarrasse-me e não soltasse. E se por ventura soltasse, que levasse embora junto meu ar. E assim o fez.


Tonteei. Sentei. Cabeça baixa, vendo pingar gotas do tempo que minha testa carregavam. Olhei ao redor como uma criança que procura ter certeza de que está sozinha para aprontar alguma. E sozinho estava. Como de costume. Como reconforto. Véspera e dia formaram uma simbiose assintomática na minha consciência, e tudo passou-se depressa. Tão logo.


Recordações, como fotografias me estamparam. De um ontem ilimitado. Garrafas que bebi, desamores que bebi, laços e entrelaços rompidos, inexistentes. O cão se achava bom porque tinha a melhor rua. Mas o cão era apenas um qualquer, que corria como vira-lata, e cheirava como vira-lata. Vítima de si mesmo.


Foi então que após flertar com todos esses espectros (nisso eu era bom), aceitei o pedido, e saltei para a pista de dança, onde o sangue agora parecia mais real, e anestesiava antebraço, ombro e visão. Eu era um cão vagabundo, um dançarino poligâmico, um soldado no exílio e um órfão da vida. Era, agora, Clive B.