terça-feira, 19 de agosto de 2014

Goela abaixo

Sou poeta de instância,
alcoólatra condenado em beber tua prosa.
decifro nos teus versos,
essa calúnia que me dilata a pele.
convivo com as tuas dores,
e faço delas drinks pra seringa
e um acolchoado de amores.
Injeto, então,
essa marca que me faz dia
e me cubro à noite com esse falso cobertor.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Noite de Agosto

Ninguém se importa com as palavras esquecidas
E com o relâmpago pendurada na janela.
Minha sombra rasteja nas luas frias
Bem lá, num beijo selado de persiana
De onde vim
E que o sei bem, para onde
jamais
retornarei.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Fim de Tarde

Eternidade.
Pôr-do-sol nos olhos
Horizonte vertiginoso
Um grande erro decodificado
Na ponta da língua
Papilas de felicidade, bumerangue letal.
Tempos mortos
De Saudade
Luz cadente, espinho no bolso
Eterna idade
Dos Cás e dos Lás
Vertigem na tua boca.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Cotidianidade:

Vivendo.
Vestida a carapuça, direcionado o olhar, particípio recorrente.
A poesia é a corrente.
Entrelaçada por entre minhas veias e tatuada nesse desembaralhar de teias.
Ainda não esquecido, não abandonado na sua totalidade,
Sempre retorno, numa fuga, numa despedida, num beijo.
Na podridão da alma que reclama, perturba a vizinhança.
Na imensidão fria de um varal no campo. Varal tão extenso!
Cá estou, posto para secar sob o sol como toalha de algodão e linho.
Para lá voltar, pendurado no varal como jaqueta de couro
Ou armadura, talvez.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Nós

No caminho até essa sala, o silêncio governava tudo: Os batimentos cardíacos, os olhares que atravessam as capas dos livros num tímido reflexo, as portas que se fecham com o vento e os corredores calados pela tristeza soturna. Tudo aqui é muito grande. Toda a minha falta de jeito, a minha desatenção e minhas mãos que transpiram, buscando salvação. Tudo em mim grita, e o som ensurdece a presença de todos por aqui. A tua não-presença é a coisa mais viva na noite. É o som mais alto dessa orquestra. Minha mente é uma máquina ininterrupta, e a tua imagem concede a paz que meu corpo necessita.


Fecho os olhos por duas, talvez três vezes. As vozes lá fora talvez não sejam totalmente ruins, mas é aqui, dentro em mim que as coisas acontecem. Por entre minhas células e o arrepio que contorna cada centímetro da minha pele, eu encontro um vestígio de saudade. Uma falta que nasceu em um nunca-pertencer. A lacuna erguida pelo desejo de possuir. Mas tu estás tão longe dos meus dedos e tudo aqui fora bate tão forte... Abro os olhos, vez que outra, para fincar os pés na realidade do agora.


Enquanto as horas me atropelam e a minha voz entala num sorriso tímido da madrugada, eu posso imaginar tua boca navegando pelo meu corpo, a fúria dos ventos que consome as velas dessa paixão e o nosso olhar que se casa de maneira singular e profana. Minhas paixões reagem num turbilhão silenciado pela realidade opaca desta vida em falta. Mas aqui, bem no linear entre a vontade e o vívido, eu te encontro, te lambuzo de felicidade como uma torta de ameixa e guardo teu sorriso no bolso. Bem por aqui, aonde as cores cintilam no desejo de te penetrar com a minha vulgaridade poética, enquanto meu corpo reage às tuas palavras, eu deito e conto as luzes da noite.
Sou um poeta de canções vislumbradas, de um eu-supermassivo-enganador. Mas eu te crio em cada palavra, nos meus dias contados num calendário improvisado, e assim posso até fingir: Tu és meu. És meu pelo meu desejo de controlar as linhas dessa imensidão que é a vida. És meu num som de sanfona ou cometa. Numa viagem ou até mesmo nessa ressaca interminável. Porque não há nada que possa tirar a tua voz da minha história.
Então, se por acaso tu fores coadjuvante do meu livro, ou um dia outro, promovido à protagonista, não estranhe os contratempos. Estou sempre em fuga, não guardo mágoas pois a vomito hora ou outra. Contudo, tu és meu caderno de bolso, meu despertador em eterno estado de soneca. Numa xícara boba com sorrisos ou num banho de chuva, tu estará dançando ou cantando.


Sou assim. Mergulho na minha própria incoerência, nessas palavras desconcertantes, nesse embrulho no estômago que nunca passa. Sou essa repetição ambulante, inconsequente, imperdoável. Mas se algum dia eu puder fazer meus lábios te tocarem nestes lugares que eu não ouso escrever, por favor, não me perdoe pela minha libertinagem. Eu desejo coisas realmente sujas contigo. Mas se a minha poesia deixar de ser esse bar sujo, essa astrologia fajuta de casos contados, bem, talvez eu não seja nada. Então insisto: Não me perdoe.
No tocante da noite, nesse resto de folha, eu deixei um pedaço propositalmente guardado pra preencher com meu mais sincero desejo de sexo vagabundo.




















E aqui eu te beijo.

terça-feira, 11 de março de 2014

Passar Ela:

Minha poesia é estúpida num decorrer de centésimos. Um bater de asas do destino que galga através das fortalezas da noite.
Sou enrolador de natureza, falador de nada, enganador de si mesmo. Minha vida é uma bolha de sabão na alvorada, um mascar de chiclete em longa viagem de ônibus.
Meu romance é quadriculado, raspado, tingido, fingido.

E nessas faltas que a vida me dá, nestas brechas ociosas entre os raios de sol que nunca vejo nascer e a cosmogonia dos corpos transados, trançados, traiçoeiros, eu embarco.

Sou velejador da pele bronzeada, das curvas alabastrinas e de línguas aconchegantes. Dominador de atos impensados e ator (mentado) de carteirinha, com fã clube e tudo mais.

Nas longas e impenetráveis estradas da vida, eu caminho e passo a passo chego mais perto do fim. Ou menos perto do início.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Moreno:

Ele dançava no vento. Seus braços eram galhos muito bem desenhados que balançavam contemplando sua solidão arbórea. O tronco era fraco, pouco se erguia, senão para sorrir (ou dançar). Ele era o amanhecer, o silêncio avermelhado que inundava o céu, as gotas da noite passada e o resto do sonho. Pouco mais do que um espinho na parede do quarto, era floricultura resguardada num lampejo de voz ou de olhar. Seus passos eram correntezas elevadíssimas, rios de neve que afundavam o assoalho do quarto. Olhos de quem diria qualquer coisa. E pouco mais abaixo, pétalas que acorrentavam sua humanidade ao profano feitiço da mortalidade.

Ele dançava com o vento como nunca antes se viu. Seu coração era tempestade de areia - nada se sustentava. Era um pobre tijolo manchado na parede. Era um muro muito muito muito alto. Um muro dançarino, talvez. Costeava por ele uma sombra gélida, um aconchego para os gatos do quintal e para a grama que o enfeitava.
Noite após noite era um sorriso moreno numa face escaldada pela dor. Um abraço esquecido e de repente.

Um entardecer aonde toda canção fala de amor. Uma praia roseada, enseada por um capricho da natureza. Ele era a rede que balançava, e pronto.
Quando eu o conheci, era um chá gelado e uma conversa delicada. Eu saboreei cada palpitar cardíaco e cada gota de suor que descia pelo seu peito. Nossas línguas brigaram numa mania que só nós conhecíamos. Ele engoliu cada parte de mim, e fomos um terremoto no Alasca ou quem sabe uma garoa bem fraquinha, dessas que não molha nada - nada além da nossa história.

Quando percebemos, estávamos cantando. A vida era um palco, esperando por um dueto. Eu pouco cantava. Subia lá só para ouvir aquela voz penetrar em mim como um sexo vagabundo. Eu mexia os lábios, franzia a testa e olhava. Tenho certeza que de que ele me desmentia. Mas não parava. E quando acabava era sempre o mesmo: Fazia dos meus lábios o sal e o limão.
Ele era tequila e eu rock n' roll.
Mas as tardes de domingo não são nada. É o meio do caminho que nunca chegará a lugar algum. Não é fim nem início. É como uma bebida que escorrega pela garganta.

Desde a última vez, nada mudou. Sentamos no gramado, aonde os gatos dormem, e ele enroscou o braço em mim. Acho que naquele instante eu não desejei nada. Travei minha mente num beco solitário e permiti que ele beijasse minha testa e partisse. Eu tentei segurá-lo, por um momento talvez, em vão. Era um domingo que terminava, como de costume.
Agora eu chego e fico de longe olhando. No horizonte eu consigo vê-lo dançar e até ouvir sua voz roubando minha pureza. Naquele balanço maroto, moreno, eu o vi chegar e gelei.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Não Achei que Precisasse de Título:

Hoje, pensei em fazer algo um pouco diferente. Abandonando minha poesia fajuta, planejada, sentei e estou escrevendo. Não pré-estabeleci regras ou conteúdos, apenas peguei essa folha e essa caneta (que vocês não veem) e pretendo ir até aonde achar que devo. Não sei quando começarei (ou se já comecei), mas sinto que há algum tipo de mundo pedindo para ser encontrado, e as linhas deste papel rasgado ao meio, são meu mapa.

Num mundo de pessoas tão anestesiadas, (inclusive eu), pretendo romper este estrangeirismo cotidiano, essa insuficiência estética e intelectual e apenas contar um pouco do que minha mente irrompe. Seria um constrangimento reler estas frases (e as que estão por vir), então deixarei como está, sem retoque, sem pincel mágico.

Talvez esse seja o maior obstáculo para um sobrevivente das letras, e mais do que isso, para um ceifador de palavras noturnas. Não estou, em momento algum pretendendo ou almejando algum tipo de ligação afetiva ou utilizar este espaço para um desabafo (mas o que é a arte, senão uma peculiaridade intimista exposta sob os véus da ilusão criadora?).

Eu começo assim: Hoje, o sol queima um pouco mais do que ontem. Como que um ladrão, um mal-feitor invadindo meu quarto, ele transgride as janelas e o pano vermelho em uma delas (que tentara bloqueá-lo), e me atinge, e fere. As manhãs são sempre as mesmas. Eu bebo o meu silêncio e solidão, remoendo as raivas da noite passada, faço uma lista mental de próximos passos e a rasgo quando saio no quintal.

Talvez essa solidão imensa, esse grande abraço no escuro seja uma perda irremediável. É bem possível que eu nem esteja mais aqui, nessa terra de dores e sonhos inatingíveis. Acho que parti, sem perceber, desaparecendo numa nebulosa que ainda não chegou. E não chega.

No gramado de casa, eu planto e implanto algumas tardes amorosas, uns desenhos de romance e uma cabana roxo escuro. Jamais dormiria lá. Jamais dormiria longe da minha coberta xadrez ensopada de angústia. Eu jamais durmo.

O fim da tarde é o irrecusável, o banho de chuva que não cai, o afogamento no ar que dilacera os poros nasais, a congestão dos brônquios e a alergia ao mundano. Um óculos grande e escuro que cobre as lembranças, lábios rosados que beijarão facilmente (e morderão como de costume) e um punhado de derrota, língua abaixo.

A noite é o de sempre, tu sabe: a força que me derruba, a dança com qualquer um, a música que estoura as felicidades disfarçadas, o perigo vizinho, a saudade inconsolável e inadmissível e o quase amor, que ficou no quase, porque é assim que tem que ser. E é.

A madrugada é esse pedaço entre o céu e inferno, entre castigo e redenção. Não. A minha madrugada é o mergulho no fogo, nos crimes contra o meu eu, a insolência da imperfeição. São os olhos que procuram beleza no espelho, o espelho que rebate com vozes familiares e vociferantes: Não, tente de novo!
A madrugada são as marcas no corpo, o cabelo sujo, as unhas infectadas. A carne lateja, o sangue ferve, gela, estaciona. E um longo congestionamento que ultrapassa as linhas da imaginação, da vontade, do desejo e do real. É só uma realidade recriada, uma cena de Tarantino num boteco bagaceiro, sem escrúpulos.

Não se fazem poetas como antigamente.