quarta-feira, 26 de março de 2014

Nós

No caminho até essa sala, o silêncio governava tudo: Os batimentos cardíacos, os olhares que atravessam as capas dos livros num tímido reflexo, as portas que se fecham com o vento e os corredores calados pela tristeza soturna. Tudo aqui é muito grande. Toda a minha falta de jeito, a minha desatenção e minhas mãos que transpiram, buscando salvação. Tudo em mim grita, e o som ensurdece a presença de todos por aqui. A tua não-presença é a coisa mais viva na noite. É o som mais alto dessa orquestra. Minha mente é uma máquina ininterrupta, e a tua imagem concede a paz que meu corpo necessita.


Fecho os olhos por duas, talvez três vezes. As vozes lá fora talvez não sejam totalmente ruins, mas é aqui, dentro em mim que as coisas acontecem. Por entre minhas células e o arrepio que contorna cada centímetro da minha pele, eu encontro um vestígio de saudade. Uma falta que nasceu em um nunca-pertencer. A lacuna erguida pelo desejo de possuir. Mas tu estás tão longe dos meus dedos e tudo aqui fora bate tão forte... Abro os olhos, vez que outra, para fincar os pés na realidade do agora.


Enquanto as horas me atropelam e a minha voz entala num sorriso tímido da madrugada, eu posso imaginar tua boca navegando pelo meu corpo, a fúria dos ventos que consome as velas dessa paixão e o nosso olhar que se casa de maneira singular e profana. Minhas paixões reagem num turbilhão silenciado pela realidade opaca desta vida em falta. Mas aqui, bem no linear entre a vontade e o vívido, eu te encontro, te lambuzo de felicidade como uma torta de ameixa e guardo teu sorriso no bolso. Bem por aqui, aonde as cores cintilam no desejo de te penetrar com a minha vulgaridade poética, enquanto meu corpo reage às tuas palavras, eu deito e conto as luzes da noite.
Sou um poeta de canções vislumbradas, de um eu-supermassivo-enganador. Mas eu te crio em cada palavra, nos meus dias contados num calendário improvisado, e assim posso até fingir: Tu és meu. És meu pelo meu desejo de controlar as linhas dessa imensidão que é a vida. És meu num som de sanfona ou cometa. Numa viagem ou até mesmo nessa ressaca interminável. Porque não há nada que possa tirar a tua voz da minha história.
Então, se por acaso tu fores coadjuvante do meu livro, ou um dia outro, promovido à protagonista, não estranhe os contratempos. Estou sempre em fuga, não guardo mágoas pois a vomito hora ou outra. Contudo, tu és meu caderno de bolso, meu despertador em eterno estado de soneca. Numa xícara boba com sorrisos ou num banho de chuva, tu estará dançando ou cantando.


Sou assim. Mergulho na minha própria incoerência, nessas palavras desconcertantes, nesse embrulho no estômago que nunca passa. Sou essa repetição ambulante, inconsequente, imperdoável. Mas se algum dia eu puder fazer meus lábios te tocarem nestes lugares que eu não ouso escrever, por favor, não me perdoe pela minha libertinagem. Eu desejo coisas realmente sujas contigo. Mas se a minha poesia deixar de ser esse bar sujo, essa astrologia fajuta de casos contados, bem, talvez eu não seja nada. Então insisto: Não me perdoe.
No tocante da noite, nesse resto de folha, eu deixei um pedaço propositalmente guardado pra preencher com meu mais sincero desejo de sexo vagabundo.




















E aqui eu te beijo.

terça-feira, 11 de março de 2014

Passar Ela:

Minha poesia é estúpida num decorrer de centésimos. Um bater de asas do destino que galga através das fortalezas da noite.
Sou enrolador de natureza, falador de nada, enganador de si mesmo. Minha vida é uma bolha de sabão na alvorada, um mascar de chiclete em longa viagem de ônibus.
Meu romance é quadriculado, raspado, tingido, fingido.

E nessas faltas que a vida me dá, nestas brechas ociosas entre os raios de sol que nunca vejo nascer e a cosmogonia dos corpos transados, trançados, traiçoeiros, eu embarco.

Sou velejador da pele bronzeada, das curvas alabastrinas e de línguas aconchegantes. Dominador de atos impensados e ator (mentado) de carteirinha, com fã clube e tudo mais.

Nas longas e impenetráveis estradas da vida, eu caminho e passo a passo chego mais perto do fim. Ou menos perto do início.